Colheita de Urina e Urocultura na Prática de Enfermagem
- Diana Fonseca
- 12 de mar.
- 7 min de leitura

A análise à urina é um exame de diagnóstico simples, indolor e, geralmente, não invasivo. Com uma pequena amostra de urina, é possível detetar diversas condições, como infeções, problemas renais, diabetes, doenças hepáticas, entre outras. Normalmente, avalia-se o aspeto, a cor e a densidade da urina (exame físico), bem como a sua constituição química. Uma urina avermelhada pode indicar a presença de sangue (hematúria), enquanto uma urina turva pode sinalizar uma infeção.
A colheita de urina para urocultura é um procedimento essencial na prática de enfermagem, crucial para o diagnóstico e tratamento adequado das infeções do trato urinário (ITU). Este exame microbiológico, que visa identificar microrganismos causadores de infeções na urina, permite a escolha de uma terapêutica antibiótica específica, evitando tratamentos empíricos inadequados. Ao longo desta publicação, vamos aprofundar a importância do procedimento de colheita de urina, detalhar as técnicas corretas e discutir as boas práticas que os enfermeiros devem adotar para garantir a precisão e qualidade dos resultados.
Quais os tipos de análise à urina mais comuns?
Teste rápido (combur)

Este teste é frequentemente realizado em consultas de rotina, como as pré-natais, ou perante uma suspeita de infeção urinária. As suas principais vantagens são a rapidez na obtenção dos resultados e o facto de não exigir preparação prévia. Este tipo de teste consiste em mergulhar uma tira numa amostra de urina durante alguns segundos. Posteriormente, os campos da tira mudam ou não de cor, dependendo da concentração da substância específica que está a ser testada. Assim, esta análise não só mede o grau de acidez da urina e a sua densidade, como também procura elementos anormais, avaliando a cor e a clareza da urina.
Interpretação dos resultados
Através da simples interpretação de um código de cores, é possível identificar as substâncias presentes na urina, tanto em valores normais como anormais. Alguns indicadores importantes a considerar incluem, por exemplo, o valor do pH. Quando o pH da urina é excessivamente ácido (superior a 5), o risco de desenvolver cálculos urinários é mais elevado. Por outro lado, um pH acima de 7 pode ser sinal de infeção bacteriana. Outro parâmetro a ter em conta são os níveis elevados de proteína na urina, que podem indicar nefrite (inflamação nos rins). Se a amostra contiver cetonas e açúcar, pode ser um sintoma de níveis elevados de glicose no sangue. Níveis elevados de leucócitos também pode ser indicativo de infeção bacteriana.
Análise Sumária de Urina (Urina Tipo II)

Este é um dos tipos de análise mais requisitados. É realizado em ambiente laboratorial e avalia a cor, turvação e concentração da urina, a sua composição química, e a imagem microscópica da urina, procurando bactérias, células e partes de células.
Por norma, este exame serve para diagnosticar patologias como doenças renais ou infeções urinárias.
Preparação e instruções de colheita
Utilizar um recipiente próprio para a recolha de urina;
Recolher os primeiros 20 a 30 mililitros da primeira urina da manhã, excluindo o jato inicial.
Os resultados da Urina Tipo II não são válidos durante o período menstrual. Utentes do sexo feminino não devem higienizar a área vulvar/labial antes da colheita.
Interpretação dos resultados
Com a análise sumária à urina, é possível diagnosticar diferentes problemas de saúde, tais como níveis elevados de colesterol, quando existem cristais na urina, ou doença ou inflamação renal, geralmente relacionada com a deteção de cilindros urinários. Em muitos casos, após essa avaliação, pode ser indicada uma análise ao sangue para aprofundar o diagnóstico.
Análise de urina de 24 horas

Este exame implica a colheita de urina durante um período de 24 horas. Semelhante à análise sumária, esta análise também avalia o aspeto da urina, a sua composição química e a sua imagem microscópica. As análises de urina de 24 horas permitem verificar o funcionamento renal e despistar doenças como diabetes ou insuficiência cardíaca.
Preparação e instruções de colheita
Utilizar um recipiente próprio para a colheita de urina;
Rejeitar a primeira urina da manhã, esvaziando por completo a bexiga;
A partir daí, recolher toda a urina do dia para o frasco, incluindo a primeira urina da manhã do dia seguinte, ou seja, do dia da entrega da colheita;
Manter o recipiente no frigorífico até entregá-lo no laboratório.
Interpretação dos resultados
Nesta análise, são particularmente analisados os níveis de proteína e creatinina presentes na urina. Se os resultados indicarem quantidades elevadas de creatinina, pode ser sinal de que os rins não estão a funcionar adequadamente, pois não estão a filtrar corretamente a urina. Por outro lado, níveis elevados de proteína na urina podem ser indicativos de várias doenças, como inflamação da pelve renal, infeções do trato urinário, doença renal ou cancro renal. Desiquilíbrios hormonais também podem ser um sinal de distúrbios no sistema endócrino.
Urocultura (exame microbiológico da urina)
O que é a Urocultura e a sua Relevância Clínica?
A urocultura é uma análise laboratorial que identifica os microrganismos presentes na urina, determinando a causa da infeção urinária. As infeções do trato urinário são um problema de saúde comum, especialmente entre as mulheres, mas também podem afetar homens, idosos e pessoas com sistemas imunitários comprometidos. Quando não tratadas adequadamente, essas infeções podem levar a complicações graves, como pielonefrite (infecção renal) ou septicemia.
A principal função da urocultura é:
Identificar o agente etiológico: Determinar qual bactéria ou fungo está a causar a infeção.
Realizar testes de sensibilidade: Determinar quais os antibióticos mais eficazes contra o microrganismo identificado. Este processo é essencial para evitar o uso excessivo de antibióticos de largo espectro e para prevenir o desenvolvimento de resistência bacteriana.
A realização adequada da urocultura é fundamental para a seleção do tratamento correto, e a precisão da amostra é crucial para o sucesso do diagnóstico.
Tipos de Colheita de Urina para Urocultura
A escolha do método de colheita depende de vários fatores, como a condição do utente, a sua capacidade de fornecer uma amostra espontânea e a necessidade de garantir que a amostra seja estéril. Os principais métodos incluem:
Colheita de Urina por Jato Médio

Este é o método mais comum e utilizado, especialmente em utentes conscientes que conseguem seguir as instruções de maneira autónoma. A técnica consiste na recolha da urina no meio do jato, depois da eliminação inicial, o que ajuda a evitar a contaminação da amostra com microrganismos provenientes da uretra, pele ou região genital externa.
Procedimento:
O utente deve ser orientado a higienizar corretamente a região genital antes de iniciar a micção.
A primeira parte da micção deve ser descartada, pois pode conter microrganismos da uretra.
O meio do jato de urina é então coletado diretamente para um frasco estéril.
Este método é eficaz em pessoas que estão em condições de realizar o processo de forma autónoma.
Colheita de Urina por Sondagem Vesical (Esvaziamento)

Este método é utilizado quando o utente não consegue realizar a colheita espontânea, como em casos de paralisia, demência grave ou incapacidade física para miccionar. A recolha é feita por meio da inserção de um cateter estéril diretamente na bexiga, evitando assim a contaminação externa.
Procedimento:
A inserção do cateter deve ser feita com técnica asséptica rigorosa para prevenir infeções secundárias.
Este método é mais invasivo, por isso requer cuidados específicos para evitar complicações, como infeções nos locais de inserção do cateter.
Colheita de Urina em Utentes Algaliados

Em utentes que já estão algaliados, a técnica de colheita exige cuidados adicionais para garantir a esterilidade da amostra. O procedimento é o seguinte: Clamar a algália durante 10 a 15 minutos para garantir que a urina recolhida não tenha sido contaminada; Após desinfetar o local de punção, realiza-se a aspiração da urina com uma agulha e seringa estéreis; A amostra recolhida deve ser transferida para um frasco estéril.
Boas Práticas na Colheita de Urina para Urocultura
Para garantir a precisão da amostra, a técnica de colheita deve seguir um protocolo rigoroso. Alguns cuidados importantes incluem:
Higiene e Preparação Adequada - A higiene genital prévia é essencial para evitar contaminações externas. Os enfermeiros devem garantir que os pacientes compreendam a importância de uma higiene correta.
Uso de Materiais Estéreis - A amostra deve ser recolhida em frascos estéreis para evitar contaminação. Todos os dispositivos utilizados, como sondas e luvas, também devem ser estéreis.
Orientação ao Utente e Família - A comunicação clara com o utente é fundamental. O enfermeiro deve fornecer instruções detalhadas sobre como realizar a colheita corretamente, especialmente em casos de jato médio.
Transporte Adequado da Amostra - Após a colheita, a amostra deve ser transportada ao laboratório o mais rápido possível. Se o transporte for demorado, a amostra pode sofrer alterações que comprometem a análise. Idealmente, deve ser entregue no laboratório dentro de uma hora.
Desafios e Complicações na Colheita de Urina
Apesar de simples, a colheita de urina para urocultura apresenta desafios significativos. O principal é garantir a técnica asséptica durante todo o processo, especialmente em ambientes hospitalares, onde o risco de contaminação é maior.
A Urocultura e a Resistência Antibiótica
A resistência antibiótica é uma preocupação crescente. A urocultura desempenha um papel essencial no combate à resistência, pois permite uma terapia dirigida, reduzindo a necessidade de antibióticos de largo espectro e melhorando a eficácia do tratamento.
Conclusão
A colheita de urina para urocultura é um procedimento simples, mas fundamental para o diagnóstico e tratamento de infeções urinárias. A precisão da amostra depende da execução correta das técnicas e da atenção aos detalhes. Os enfermeiros devem estar bem preparados e atualizados sobre as melhores práticas para garantir a qualidade da amostra e um tratamento mais eficaz. A aplicação rigorosa desses procedimentos não só melhora os resultados do tratamento, como também ajuda a prevenir complicações e a propagação da resistência bacteriana. A prática de enfermagem deve continuar a focar-se na educação, formação contínua e na aplicação de protocolos rigorosos para melhorar a qualidade do cuidado e a segurança do utente.
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